quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Sem classificação.

Não consigo entender o que passa na cabeça das pessoas, quando o assunto é “nós dois”. Sempre tive esse conflito interno e acho que você também tem. Porque elas querem tanto classificar a gente? Acho que nunca vou entender isso. Começa pela minha avó, que toda vez que vem me visitar, pega e fala “e aquele seu namoradinho, não vai vim hoje?”, e termina com o porteiro do seu prédio dizendo que formamos-um-lindo-casal. Será que as pessoas não podem ter muitas histórias juntos, que já são classificadas como “estão saindo” ou “vão casar”?

Lembro da primeira vez que fui almoçar na sua casa, e todo mundo jurava que a gente tinha alguma coisa, porque sim. Ou das férias que viajamos juntos, e quando eu voltei pra casa, só tinha foto nossa, juntos também. Mas ainda assim, eu acho poucos motivos para quererem nos juntar a todo custo. Sabe aquela mulher da lavandeira? Ela tem certeza que a gente até já casou. Toda semana que eu chego e falo “entrega no endereço de sempre, por favor?” (o endereço do seu apartamento), e ela vê que só tem roupa masculina, ela associa por uma combinação não-lógica, que nos casamos e eu não gosto de lavar roupa. Sério! Ela sempre faz a mesma cara de “porque você não lava a roupa do seu marido?”, enquanto eu finjo que não percebo nada.

Sei que deve ser complicado entender nossa relação, mas não deveria. Já vivemos e passamos por muitas coisas juntos, pra ter que ficar explicando sempre a mesma coisa e dizendo que não-temos-nada, porque sei-lá, a vida não quer(?) Você já me viu com o cabelo preto, loiro, ruivo e quase-rosa. Já foi meu amigo, psicólogo, pai e pseudo-namorado. Já me buscou altas horas da noite, em festas que eu ia só pra tentar me distrair e acabava sempre odiando tudo. Eu já te vi chorar por amor, já aconselhei, briguei e até já dei uma de namorada surtada só porque você queria fazer ciúmes pra uma ex-namorada-de-verdade. Já te desejei boa sorte em vários vestibulares e você já ficou comigo no telefone até eu dormir, só porque eu tive medo do filme de terror que a gente assistiu. Já fomos e vivemos tudo que pudemos... Tudo sem cobrança, ou classificações.

Mas acho que no fundo, nós dois sabemos que ninguém nunca vai entender a nossa relação. Nem minha mãe entende... Hoje ela já acostumou com o fato de que todo último sábado do mês, você vem tomar café da manhã comigo, e eu fico dizendo que não-como-nada-de-manhã, enquanto você prepara aquelas mesas de novela. Ou quando eu estou no meio de uma reunião no trabalho, e sua mãe me liga pra falar que você tá cada dia mais sumido de casa, e que é pra eu te levar lá. Por falar em casa, lembro do dia que você pegou a chave do seu apartamento e me levou pra conhecer ele antes de todo mundo. Deve ser por isso que eu me sinto tão “em casa” quando estou lá. E aquele meu namorado que terminou comigo, porque eu tinha a chave do seu apartamento? Ele dizia “namorada minha não precisa ter chave da casa de ninguém”... Ou aquela sua namorada que não suportava o fato de você não deixar ninguém levar mais de duas peças de roupa pra sua casa, exceto eu. Já perdi a conta de quantas vezes te liguei pra falar que ia passar na sua casa, porque meu sapato preferido tinha ficado lá.

Porque o fato de temos um ao outro no mundo, é uma certeza tão boa de que não estamos sozinhos... Você já foi meu colo quando eu terminei meu namoro de quase quatro anos, eu já fui seu ombro amigo quando você entrou em crise sobre sua vida profissional. Já discutimos por motivos idiotas, e já ficamos sem nos falar por um mês inteiro. E que mês longo foi aquele, né? Fiquei sem bom dia, boa tarde, boa noite, e o nosso famoso “se cuida, viu?”. Você ficou sem ouvir minha voz de sono antes de dormir. Meia-noite, pra ser mais exata... Que é a hora que você chega da faculdade, e eu já estou no décimo sono, e acordo mesmo assim, só pra saber se você chegou bem em casa e como foi sua aula.

Temos uma ligação tão forte que é difícil de explicar, e de entender também, eu sei. Podemos estar em silêncio, que sabemos o que o outro está pensando. Igual quando você chega na minha casa e joga a mochila no chão e vai deitar na minha cama, como se ela fosse sua também. E ali eu sei que o seu dia foi difícil e que eu preciso só ficar por perto, até que você fale vem-me-ouvir-um-pouco-porque-hoje-foi-complicado, e a gente passa horas e horas conversando até você esquecer do dia chato que teve. Ou quando eu te chamo e digo que tô precisando de carinho, e você chega correndo na minha casa, com todo o carinho do mundo só pra mim. E você tem colo, palavras bonitas, carinho no cabelo e a calma que meu coração precisa...

Lá no fundo, nós sabemos o que a gente vive, mas sempre bate aquele medo bobo de começar a classificar as coisas e tudo dar errado. Igual quando eu te digo que nunca-deu-certo-com-ninguém-porque-daria-com-você? E você dá risada e diz que poderia-passar-o-resto-da-vida-vivendo-essa-nossa-história-sem-classificação.